terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A MARCA QUE DEIXAMOS NAS PESSOAS

Quando eu era criança, bem novinho, meu avô comprou o primeiro telefone da nossa vizinhança. Eu ainda me lembro daquele aparelho preto e brilhante que ficava na parede da sala. Eu era muito pequeno para alcançar o telefone, mas ficava ouvindo fascinado enquanto minha mãe falava com alguém.
Então, um dia eu descobri que dentro daquele objeto maravilhoso morava uma pessoa legal. O nome dela era “Uma informação, pôr favor,” e não havia nada que ela não soubesse. “Uma informação, pôr favor”, poderia fornecer qualquer número de telefone e até a hora certa.
Minha primeira experiência pessoal com esse gênio-na-garrafa veio num dia em que minha mãe estava fora, na casa de uma vizinha. Eu estava no quarto de guardar objetos e materiais do meu avô e quando estava mexendo na caixa de ferramentas, bati em meu dedo com um martelo. A dor era terrível, mas não havia motivo para chorar, uma vez que não tinha ninguém em casa para me oferecer a sua simpatia. Eu andava pela casa, chupando o dedo dolorido até que pensei: O telefone.

Rapidamente fui até o quarto, peguei uma pequena escada que coloquei em frente à parede da sala onde se encontrava o telefone. Subi na escada, tirei o fone do gancho e segurei contra o ouvido. Alguém atendeu e eu disse: “Uma informação, pôr favor”. Ouvi uns dois ou três cliques e uma voz suave e nítida falou em meu ouvido. “Informações”.
-Eu machuquei meu dedo…, disse, e as lágrimas vieram facilmente, agora que eu tinha audiência.
“A sua mãe não esta em casa?”, ela perguntou.
“Não tem ninguém aqui…”, eu soluçava.
“Está sangrando?”
“Não”, respondi.
“Eu machuquei o dedo com o martelo, mas ta doendo…”
“Você consegue abrir o congelador?”, ela perguntou. Eu respondi que sim.
“Então pegue um cubo de gelo e passe no seu dedo”, disse a voz.
Depois daquele dia, eu ligava para “Uma informação, pôr favor,” por qualquer motivo. Ela me ajudou com as minhas dúvidas de geografia e me ensinou onde ficava Fernando de Noronha. Ela me ajudou com os exercícios de matemática. Ela me ensinou que o pequeno gato que eu trouxe da serra como eu deveria alimentá-lo.
Então, um dia Peti meu canário morreu. Eu liguei para “Uma informação, pôr favor” e contei o ocorrido. Ela escutou e começou a falar àquelas coisas que se dizem para uma criança que está crescendo. Mas eu estava inconsolável.
Eu perguntava: “Por que é que os passarinhos cantam tão lindamente e trazem tanta alegria pra gente para, no fim, acabar como um monte de penas no fundo de uma gaiola?”
Ela deve ter compreendido a minha preocupação, porque acrescentou mansamente:
“Paulo, sempre lembre que existem outros mundos onde a gente pode cantar também…”
De alguma maneira, depois disso eu me senti melhor. No outro dia, lá estava eu de novo.
“Informações”: disse a voz já tão familiar.
“Você sabe como se escreve ‘exceção’?” Tudo isso aconteceu na minha cidade natal ao sul do Atlântico. Quando eu tinha 9 anos, nós nos mudamos para São Paulo. Eu sentia muita falta da minha amiga.  “Uma informação, pôr favor” pertencia aquele velho aparelho telefônico preto e eu não sentia nenhuma atração pelo nosso novo aparelho telefônico branquinho que ficava em uma mesinha na nova sala.
Conforme eu crescia, as lembranças daquelas conversas infantis nunca saiam da minha memória. Freqüentemente, em momentos de duvida ou perplexidade, eu tentava recuperar o sentimento calmo de segurança que eu tinha naquele tempo. Hoje eu entendo como ela era paciente, compreensiva e gentil ao perder tempo atendendo as ligações de um molequinho.
Alguns anos depois, quando estava indo a trabalho em Foz do Iguaçu, meu avião teve uma escala em Maringá. Eu teria mais ou menos meia hora entre os dois vôos. Falei ao telefone com minha irmã, que morava lá, por 15 minutos. Então, sem nem mesmo sentir que estava fazendo isso, disquei o número da operadora daquela minha cidade natal e pedi: “Uma informação, pôr favor”. Como num milagre, eu ouvi a mesma voz doce e clara que conhecia tão bem, dizendo:”Informações”.
Eu não tinha planejado isso, mas me peguei perguntando: “Você sabe como se escreve ‘exceção’?”
Houve uma longa pausa. Então, veio uma resposta suave:
“Eu acho que o seu dedo já melhorou, Paulo”.
Eu ri. “Então, é você mesma!”, eu disse. “Você não imagina como era importante para mim naquele tempo”.
“Eu imagino”, ela disse. “E você não sabe o quanto significavam para mim aquelas ligações. Eu não tenho filhos e ficava esperando todos os dias que você ligasse”.
Eu contei para ela o quanto pensei nela todos esses anos e perguntei se poderia visitá-la quando fosse encontrar a minha irmã. “É claro!”, ela respondeu. “Venha até aqui e chame a Stela”.
Três meses depois eu fui a Maringá visitar minha irmã. Quando liguei, uma voz diferente respondeu: ”Informações”.
Eu pedi para chamar a Stela.”Você é amigo dela?”, a voz perguntou.
“Sou, um velho amigo. O meu nome é Paulo”.
“Eu sinto muito, mas a Stela estava trabalhando aqui apenas meio período porque estava doente. Infelizmente, ela morreu há três semanas”.
Antes que eu pudesse desligar, a voz perguntou: “Espere um pouco. Você disse que o seu nome é Paulo?
“Sim!”
“A Stela deixou uma mensagem para você. Ela escreveu e pediu para eu guardar caso você ligasse. Eu vou ler para você”.
A mensagem dizia:
“Diga a ele que eu ainda acredito que existem outros mundos onde a gente pode cantar também. Ele vai entender”.
Eu agradeci e desliguei. Eu entendi…

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